Cuidado, cruzamento de sapos

24 de abril de 2012 § Deixe um comentário

Estou colaborando no blog do meu amigo Vinícius Tamer, Trevous.com, e esta semana escrevi o seguinte post, sobre a reprodução dos sapos por aqui. Alguns de vocês já haviam visto as fotos que uma vez postei no facebook. Mas agora conto toda experiência que passamos por aqui.

Os sapos holandeses não precisam olhar pros dois lados da rua ao atravessa-la. Durante dois meses entre fevereiro e abril, a prefeitura de Haia fecha a travessia principal desses saltitantes amfíbios, no bosque de Scheveningen, das 19 às 7 horas, diariamente, para que eles possam chegar até o laguinho tranquilos. É que todo ano na época de acasalamento (final do inverno) os sapos da região saem de sua hibernação no bosque, encontram-se no asfalto, realizam suas cópulas e depois, as fêmeas sozinhas, creio eu, terminam o processo indo depositar seus ovos na água mais próxima.

Fui lá conferir por duas vezes este ano. No primeiro dia, foi por volta das 21 horas. Os bichinhos não estavam se exibindo, como você e eu imaginávamos. Nada disso. Eu que esperava um festival de anuros pululando pela estrada a noite toda, me decepcionei. Imaginei uma vez também que assistiria a uma fila indiana de sapinhos recém nascidos realizando cuidadosamente o trajeto, para não se perderem de seus irmãos. Fato é que não avistei um para contar história. Talvez a noite estivesse muito fria ainda, para o gosto deles, e para o meu também. Início de março. Esperar-se-ia um pouquinho mais.

Da segunda vez, estávamos eu e meu namorado voltando de uma festa às duas da manhã. A noite estava bem morna para padrões holandeses, por volta dos 15º C. Pedalamos devagarinho pela estrada, observando pequenos detalhes no asfalto. Foi aí que vimos tudo. Não eram muitos, aliás pouquíssimos, que só pude perceber mirando no escuro da sombra do meio fio. Meu namorado custou a enxerga-los. Os pequenos sapinhos (ou seriam apenas sapinhas?) tentavam saltar do nível do asfalto para a calçada. Uma altura de 15 cm de meio fio, que parecia intransponível. Um outro estava relax parado no meio da rua. Por que tão pensativo, naquele asfalto frio? Não seríamos nós, dois seres humanos, uma ameaça a sua travessia? Saquei minha câmera e cheguei pertinho dele. Daí percebi que não era um, e sim dois sapos acoplados. Ok. Estavam em momento íntimo e não se importavam com mais nada. Pude fazer quantas fotos quisesse, apesar da luz não ser das melhores. Os dois ficariam ali por horas, então partimos em busca de mais ação.

Eu ouvira falar da sua dificuldade em completar o processo de reprodução. Se as fêmeas não chegassem ao laguinho em tempo, sua espécie estaria ameaçada. O holandês meu companheiro explicara que não era ajuda suficiente o estado interditar a estrada, sem também ajudá-los a superar o obstáculo do meio feio. Ou seja, na minha imaginação, comecei a desenhar rampas, escadas, elevadores, para que as sapas, pesadinhas depois da cópula, pudessem seguir seu caminho. Foi quando meu namorado habilitou-se a levantar as sapinhas os 15 centímetros necessários. E ainda insistiu para que eu o experimentasse também. De início elas resistiam ao contato humano, por instinto tentando fugir. Mas felizmente o rapaz conseguiu ajudar as cinco sapas que encontramos pelo caminho. Eu mesma não consegui superar o meu obstáculo de pegar num anuro com minhas próprias mãos. No máximo consegui tocar a ponta do dedo indicador, por um segundo, e sentir a sua pele, sua temperatura. Aquilo já foi uma conquista. Desafiar a si mesmo é experiência que levamos para o resto da vida. Posso dizer que o bicho era menos úmido e menos gelado do que eu imaginava. E bem bonitinho mesmo, marrom esverdeado.

Ao chegar na calçada, ao contrário do que esperávamos, elas não seguiam direto a caminho do lago, que estava ainda a uns dez metros de distância. Pelo contrário, ficavam estáticas, como que perdidas, sem entender ao certo como chegaram ali. Seria a mão de Deus? Que lugar é este? O que foi que aconteceu mesmo? As sapinhas pensavam, pensavam, por tanto tempo que nem pudemos esperar mais para ver. Só podemos acreditar agora que elas completaram a missão com sucesso. A população de humanos, aranhas e mosquitos de Scheveningen agradece.

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