Slow Walk em Bruxelas

24 de abril de 2016 § Deixe um comentário

Ontem foi dia Internacional da Dança. Senti-me convocada a participar da marcha lenta promovida por Anne Teresa de Keersmaeker, coreógrafa de Rosas, companhia belga de dança, que admiro muitíssimo.

A caminhada, abordada como dança, começou às 11 da manhã, a partir de 4 pontos distintos da cidade. Participantes de todas as idades e backgrounds, eram benvindos a juntarem-se à marcha, em qualquer ponto o trajeto e a qualquer momento. Eu cheguei no ponto mais ao sul, em Marolles. Caminhando 5 metros por minuto, cada grupo atravessou uma área da cidade até convergir na Grand Place, ou Grote Markt (adoro ir a Bélgica, pois minha prática no francês e no holandês alimentam-se mutuamente).

Fui com minha amiga Marit. Saímos às 8:30 de Haia, pegamos um ônibus de Rotterdam a Bruxelles-Midi. Fizemos um pit-stop para um café às 11:20 na própria estação e fomos correndo até a Rue Haute onde avistamos o grupo.

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A marcha lenta é interessante pois não estamos nada acostumados com a lentidão hoje em dia. Parece muito fácil, mas de fato a lentidão demanda um esforço enorme, um auto controle e uma consciência completa de todos os movimentos. Comecei a exercitar já no Artscience, há pelo menos 5 anos atrás. Apaixonei-me pelos exercícios e experimentos em que o movimento se torna quase invisível, de tão lento. Enfim, posso dizer que tornei-me uma boa praticante, não que seja mestre, mas tem um apreço muito grande pelo assunto.

Notei que a multidão, que fora fazer a slow walk, não era muito lá bem treinada. De longe pareciam fazer algum tipo de manifestação silenciosa. Claro que um grupo de gente caminhando junta, sempre terá um caráter de protesto. Mas o frio estava de rachar. Quase todo mundo punha as mãos no bolso, capuz, e cara virada pra baixo – sem saber que passavam uma imagem esquisita da marcha. Mas tudo bem, o bacana é que todo mundo poderia participar e naturalmente iam pegando o jeito, de uma forma ou de outra. Com algumas exceções, de pessoas que creio serem bailarinas, que se moviam de forma exemplar, a massa de caminhantes por vezes parecia mais um desfile de zumbis que de seres humanos.

Uma descoberta maravilhosa foi de que a cidade pode ser muito mais apreciada do que se imagina, caminhando a passos de tartaruga. Não só as fachadas, cartazes e placas podem ser lidos e analisados, mas como os sons, os cheios e as superfícies se tornam muito mais evidentes. O que vivi foi uma experiência de realidade aumentada, onde eu tinha a chance de ver e sentir a cidade, como nunca antes. E para completar, levei a nossa câmera GoPro, para poder registrar alguns momentos, culminando no workshop na Grand Place.

Bruxelas, é preciso frisar, tem um charme incomaparável com as cidades ultra organizadas da Holanda. De ruas antigas estreitas, com edifícios velhos e novos, padarias turcas, lojas de antiquário, grafite, bêbados, turistas, amigos conversando pela rua. Coisas de cidade grande que quase não existem em Haia por exemplo. Ainda por cima, o relevo e o urbanismo oferecem mais sensações, com altos e baixos, ladeiras, vielas, escadarias. Estou por coincidência numa fase fenomenológica com a experiência espacial. Lendo sobre genius loci, sobre a imagem da cidade, bolando a minha própria teoria de exploração do corpo humano em relação ao espaço circundante. Bruxelas tem vida, tem vagabundos, tem imigrantes, ruínas, teatros, castelos, tudo misturado, no centro da cidade. Não é à toa que a companhia Rosas está lá.

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Chegando na Grand Place, ainda devagarinho, nos fundindo com a multidão, avistamos os outros grupos que vinham de outros cantos da cidade, com a Keersmaeker nos aguardando para o fechamento da performance. Ela com um microfone sem fio, imersa na turba, iniciou as instruções do que viria a ser uma aula de dança para mais de 500 pessoas. Os que passavam por ali sem saber, na maioria turistas, acabaram sendo absorvidos e dançando também. Conforme as instruções, íamos cruzando a praça em linha reta, em curva, em passos largos, curtos, na ponta do pé, andando nos calcanhares, levantando o joelho ou levantando a mão. Ela nos fez reviver a escola das ‘silly-walks’ do Monty Pyton, botou David Bowie e Prince pra tocar, para uma platéia unida e entusiasmada, sem medo de terrorismo.

Obrigada Anne Teresa, pela experiência enriquecedora de estar na multidão e estar comigo mesmo. Por poder descobrir a cidade com novos olhos, ouvidos e meus pés. De estar em Bruxelas – depois da tragédia do dia 22 de Março deste ano – e estar segura, fazendo o que há de melhor na vida. A dança realmente quebra barreiras e une as pessoas de uma forma muito simples.

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